LBI na prática – audiência pública discute tutela, curatela e decisão apoiada

Encontro aconteceu em parceria com a vereadora Adriana Ramalho e contou com as presenças de juristas e representantes do segmento.

Na segunda-feira (24/4), o plenarinho da Câmara Municipal de São Paulo abriu espaço para uma importante discussão sobre a Lei Brasileira de Inclusão. Organizada pela Deputada Mara Gabrilli, que relatou a LBI na Câmara dos Deputados, e a vereadora Adriana Ramalho, a audiência abordou os temas de Tutela, Curatela e Tomada de Decisão Apoiada. O debate faz parte de um ciclo de encontros propostos pelas parlamentares para discutir alguns mecanismos práticos para a aplicação da LBI, legislação em vigor desde janeiro do ano passado com uma série de inovações sobre os direitos das pessoas com deficiência.

O encontro contou com as presenças de Cid Torquato (Secretário Municipal da Pessoa com Deficiência), Eugênia Augusta Favero (Procuradora da República), Renata Tibiryçá (Defensora Pública do Estado de São Paulo), Sandra Massud (Promotora de Justiça do Estado de São Paulo), Mizael Conrado de Oliveira (Vice-presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro) e Gersonita Pereira de Souza (Presidente do conselho municipal da pessoa com deficiência de São Paulo).

Inovadora, a redação da Lei Brasileira de Inclusão foi adequada ao texto da Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, documento que reconhece a capacidade legal da pessoa com deficiência em igualdade de condições com as demais pessoas. “A Lei Brasileira de Inclusão é o primeiro projeto de lei no Brasil traduzido para a Língua Brasileira de Sinais e colocado em uma plataforma acessível às pessoas com deficiência visual. Trata-se de um texto inovador construído por todos nós”, emociona-se a deputada Mara Gabrilli.

A vereadora Adriana Ramalho lembrou também que a LBI será aplicada nas cidades e que é função do legislativo municipal trabalhar para que a Lei seja implementada da melhor forma possível. “Tive a honra de conhecer e contar com o apoio da Mara, que é essa grande mulher, e agora temos a missão de juntas atuarmos para que essa legislação robusta seja colocada em prática em São Paulo”, afirmou.

De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão, é direito de toda a pessoa com deficiência:

– casar-se e constituir união estável;
– exercer direitos sexuais e reprodutivos;
– exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
– conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
– exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária;
– exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Alvo de discussões, principalmente entre pais e familiares de pessoas com deficiência intelectual, o texto da LBI gera dúvidas em alguns pontos, inclusive entre juristas. É o caso das questões que envolvem a curatela. “Antigamente era muito comum que um juiz determinasse todas as decisões ao curador de uma pessoa com deficiência. Mas a Justiça deve entender que hoje a curatela é uma medida estritamente protetiva à pessoa com deficiência, usada em questões de cunho patrimonial e aplicada para uma pessoa sem condições, em hipótese alguma, de expressar sua vontade”, explicou a Procuradora da República, Dra. Eugênia Augusta Favero, que também é mãe de uma criança com deficiência intelectual.

O texto da LBI ainda abre a possibilidade para a tomada de decisão apoiada, quando uma pessoa com deficiência pode contar com a orientação de seu curador para resolver certas questões, como a venda de um imóvel, por exemplo. Neste caso, a decisão não necessariamente deve se restringir à família do curatelado. Uma pessoa com deficiência que perdeu a família ou vive em uma residência inclusiva pode definir um ou mais nomes para apoiá-la, desde que a sua vontade seja respeitada por esse indivíduo e a decisão em si seja única e exclusivamente desta pessoa. “Temos uma gama de possibilidades que podem ser aplicadas tanto na curatela quanto na tomada de decisão apoiada. No entanto, é preciso regulamentar tais direitos e desenhar esse novo cenário, inclusive adequando outros pontos da nossa legislação”, explicou Favero.

Para a Promotora de Justiça do Estado de SP, Sandra Massud, a interdição é a morte civil do indivíduo. “É preciso criar uma rede de proteção à pessoa com deficiência em todos os sentidos, ofertando educação, saúde, lazer, cultura, trabalho. Não é interditando uma pessoa que estamos protegendo ou incluindo. Ao contrário, as pessoas precisam de oportunidades para crescer, inclusive errando. Quem somos nós para julgarmos se alguém tem discernimento, por exemplo, para amar e ser amado? Colocamos uma tarja nas pessoas com deficiência intelectual sobre o que elas podem ou não fazer e temos agora uma dívida que precisa ser revertida”, afirmou.

Embora o Brasil seja signatário da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência desde 2008, é prática recorrente atribuir ao curador de uma pessoa com deficiência as decisões de sua vida civil e atos de natureza não civil, sem levar em consideração a real capacidade e vontade do curatelado. Uma conduta comum praticada pela Justiça e, muitas vezes, por falta de informação, corroborada pela própria família.

“Como respeitar sempre as vontades da minha filha se nem sempre eu sei quais são? Assim como eu, que tenho uma filha com paralisia cerebral severa e que não se comunica de forma natural, outras mães também têm dúvidas de como lidar com a questão da interdição. Fico muito feliz em ver que a deputada Mara Gabrilli entendeu nossa preocupação e realizou esta audiência”, disse Gersonita Pereira de Souza, presidente do conselho municipal da pessoa com deficiência.

Segundo Renata Tibiryçá, defensora pública do Estado de São Paulo, o mais importante é entender que a curatela é uma medida a ser tomada só em último caso. “As famílias precisam entender que a deficiência da pessoa não afeta sua plena capacidade legal. Mas isso não significa que, quando realmente necessário, não deva existir a assistência da figura de um curador. Como dizer que um indivíduo como Stephen Hawking, por exemplo, não tem capacidade de decisão sobre sua própria vida? Por outro lado, sem poder se comunicar, ele precisa da assistência de alguém. A Lei Brasileira de Inclusão precisa ser aplicada de forma a preservar o direito de escolha dessa pessoa, independente de sua capacidade física, intelectual ou sensorial’, disse;

Ao final das falas na mesa, alguns participantes puderam esclarecer dúvidas. Para a deputada Mara Gabrilli, o encontro foi enriquecedor e emocionante. “A LBI é um projeto democrático que representa os anseios de quem por muito tempo foi colocado à margem. Temos uma legislação tão grandiosa quanto nossa luta e não podemos, de forma alguma, retroceder nenhum direito chancelado neste texto. Precisamos lutar para coloca-los em prática. E eu agradeço e continuo a contar com vocês”, concluiu.

O próximo encontro ‘Discutindo a LBI na prática” acontecerá no dia 22/5 e debaterá as mudanças na área da Educação.

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