Nota sobre a derrubada do Veto 55

Mara no plenário do Senado discursando ao microfone. Ela está de pé.Veja o posicionamento da senadora Mara Gabrilli sobre o seu voto pela derrubada do veto presidencial ao projeto de lei que aumenta de ¼ para meio salário mínimo a renda per capta para que pessoas com deficiência e idosos tenham acesso ao Benefício de Prestação Continuada.


O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste em um salário mínimo concedido às pessoas com deficiência e às pessoas idosas que não tenham condições de prover seu sustento ou de tê-lo provido por sua família. Ressalto que não são todas as pessoas idosas nem todos os 46 milhões de brasileiros com deficiência que terão acesso a esse benefício, mas apenas aqueles que vivem na miserabilidade, à margem da sociedade, desprovidos de condições mínimas de dignidade.

O aumento da renda elegível para o BPC – de ¼ (R$ 261,25) para ½ (R$ 522,50) salário mínimo per capita – atende a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), do ano de 2013, que, diante de recorrentes questionamentos judiciais, posicionou-se pela inconstitucionalidade do art. 20, § 3º, da Lei Orgânica da Assistência Social, por entendê-lo defasado em relação a leis mais recentes que estabelecem ½ salário mínimo per capita como o critério de acesso para programas sociais e de transferência de renda. A inconstitucionalidade do dispositivo, contudo, foi declarada sem a pronúncia de sua nulidade, o que significa dizer que a Justiça deixou a cargo do Congresso Nacional, instituição constitucionalmente encarregada de elaborar as leis, a correção dessa injustiça.

Vale dizer que essa decisão judicial, sem uma efetiva resposta do Parlamento Federal, em termos práticos, acaba por alcançar somente as pessoas com mais acesso à justiça. Diante desse cenário de insegurança jurídica – em que meio milhão já recebem por meio de decisão judicial –, pergunto-me: por que não garantir direito iguais a todos que se encontram na mesma situação de vulnerabilidade?

Essa é uma demanda do movimento da pessoa com deficiência e da pessoa idosa há pelo menos 30 anos, quando eu ainda não tinha quebrado o meu pescoço, nem experimentado viver com uma deficiência, nem sonhado um dia entrar para a política. Sei como custa caro ter alguma deficiência. Portanto, da minha parte, como parlamentar e mulher tetraplégica há 25 anos, tomei uma decisão consciente, instruída por uma decisão judicial. Não se trata de uma retaliação ao Poder Executivo em exercício, mas sim de um voto por acreditar na promoção da justiça social e no fato de que, quando conseguimos melhorar a vida das pessoas mais pobres, a vida de todo brasileiro dá um salto de qualidade.

Acerca do impacto fiscal da derrubada do veto, convém lembrar que esta não fere a Emenda Constitucional 95/2016, que atribui um teto de despesas a ser respeitado pelo governo federal. O que fizemos com a derrubada do veto, com a concordância de 45 senadores e de 302 deputados, foi proteger parcela mais vulnerável da sociedade brasileira – que por si só não tem voz –, diante das decisões de alocação de recursos do orçamento, o chamado conflito distributivo. O Poder Executivo, juntamente com o Congresso Nacional, pode realocar recursos e organizar o orçamento para atender a essa nova demanda.

Ressalto que nem mesmo o governo apresenta um entendimento uniforme sobre o impacto fiscal da matéria. Em nota da Liderança do Governo do Congresso Nacional, datada de 4 de março de 2020, o valor de impacto imediato apresentado era de R$ 11,6 bilhões/ano. Ao pressentirem que esse valor não era convincente para a manutenção do veto – nem mesmo entre os parlamentares da base do governo –, passaram a adotar nova estimativa de R$ 20,1 bilhões/ano, em nota de 9 de março de 2020.

Essas estimativas vêm, contudo, desprovidas de informações relevantes e fundamentais, tais como a taxa de retorno para a economia. Estudo publicado na Revista Brasileira de Economia, em 2018, comprova que os programas de transferência de renda Bolsa Família e BPC trazem impactos macroeconômicos e sociais positivos para os municípios brasileiros, derivados do efeito multiplicador dos recursos transferidos. Estudo do Ipea (2013), por sua vez, demonstrou que cada R$ 1,00 transferido para as famílias miseráveis gerava R$ 1,54 em consumo e R$ 1,19 no PIB. Afinal, as pessoas usam esses recursos para alimentar-se, comprar medicamentos, vestimentas, entre outros bens essenciais a sua subsistência. Ou seja, movimentam a economia, o que mais buscamos neste momento.

No aspecto social, é impossível negar os efeitos positivos desses programas no bem-estar das pessoas com deficiência e das pessoas idosas, bem como de seus familiares. Esses recursos suprem seus custos adicionais, frente, por exemplo, à falta de acessibilidade e à ausência de um sistema nacional de cuidados, o que impõe frequentemente aos membros da família não trabalharem para apoiar essas pessoas.

Cuidar de pessoas é política de Estado, uma das mais responsáveis e evoluídas, de autoria de quem mira, de fato, um futuro próspero para todos os brasileiros.

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