Confira o artigo da senadora Mara Gabrlli sobre a importância do Brasil investir em ciência para alcançar o desenvolvimento social e ecônomico do país.
Foram mais de 500 mil vidas perdidas, milhares de desempregados e a sensação diária de incerteza. Presenciamos campanhas contra a ciência promovidas pelo próprio presidente da República, que estrelou um show de horrores nesta pandemia, incentivando as aglomerações e dispensando o uso de máscaras. Assistimos lideranças públicas, em falas esdrúxulas nesta CPI da Pandemia, defendendo o uso da cloroquina e o tal “tratamento precoce”, enquanto nos Estados Unidos, país que nosso presidente já muito se inspirou, mortes e hospitalizações caem drasticamente em lugares onde as pessoas estão sendo vacinadas. Ao contrário de Bolsonaro, Joe Biden e a vice-presidente Kamala Harris fazem questão de apelar publicamente para que norte-americanos tomem a vacina contra a covid-19.
A realidade é que nações de economia forte e com os melhores índices de desenvolvimento humano do mundo investem massivamente em pesquisa, educação e tecnologia. A equação é simples: países ricos são ricos justamente porque sabem onde investir.
Em décadas recentes, países que enfrentaram crises financeiras aumentaram seu investimento em pesquisas para retomar seu desenvolvimento e crescer em longo prazo. O Brasil, no entanto, faz o oposto quando lideranças públicas, com voz e alcance de impacto nacional, insistem em afirmar que se trataram com o famigerado “kit Covid”. Um movimento retrógrado, que nada condiz com nosso histórico bem sucedido na prevenção de doenças infectocontagiosas.
Nosso país é referência mundial na prevenção de patologias, graças ao PNI (Programa Nacional de Imunização), do Ministério da Saúde, que se consolidou em 1973, com a oferta gratuita de todas as vacinas recomendadas pela OMS. Em 1977, o PNI publicou o primeiro calendário nacional de vacinação, que trazia como obrigatórias quatro imunizantes para os recém-nascidos no primeiro ano de vida: a vacina contra a poliomielite, a BCG (Bacilo Calmette-Guérin), a tríplice bacteriana (contra difteria, tétano e coqueluche) e a tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola).
Não podemos, de forma alguma, voltar às trevas, como ocorreu na década de 1990, com o movimento antivacina. Àquela época, o médico britânico Andrew Wakefield publicou um estudo apontando uma possível relação entre a vacina tríplice viral e o desenvolvimento do autismo. A notícia se propagou pelo Reino Unido, gerando medo na população, e se espalhou por todo o mundo. Apesar de a publicação já ter sido desmentida infinitas vezes e muitos estudos comprovarem que a teoria apresentada por Wakefield foi fraudada para exibir o resultado que ele pretendia, o movimento antivacina segue ganhando adeptos até hoje e crescendo cada dia mais. O sarampo, por exemplo, era tratado como eliminado no Brasil até 2016, mas em 2018 voltou a oferecer perigo para a população. Não podemos correr esse risco com a covid-19.
Em levantamento realizado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e publicado em julho de 2020, o Brasil aparece como um dos países que mais regrediu desde 2015 em termos de imunização da população, com índice de pouco mais de 70% de cobertura para difteria, tétano e coqueluche. Cerca de 800 mil crianças estariam sem proteção hoje no país para essas doenças. O estudo também apontou que a queda na cobertura universal de vacinas para crianças foi de 23% entre 2015 e 2019, a mesma taxa de redução registrada na Venezuela, país em crise humanitária. Apenas a Líbia, que está em guerra, e Samoa, registraram uma queda superior aos índices do Brasil.
Abolir o negacionismo à ciência é ceder luz ao progresso. Esse é o primeiro passo que o governo deve dar para sairmos do luto e vislumbrarmos um futuro de esperança. Esta não é uma questão política, esse é um compromisso que o Brasil precisa assumir em nome da vida.