A Lei Geral de Proteção de Dados e a Pesquisa Clínica

Na publicação desta semana do AmaraCiência, a Drª Greyce Lousana, presidente Executiva da Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica (SBPPC), fala sobre a Lei Geral de Proteção de Dados que dispõe sobre a proteção de dados pessoais, tais como os dados de saúde.

Nossos dados cadastrais e de saúde são coletados diariamente em hospitais, clínicas médicas, clínicas odontológicas, laboratórios de exames e de imagem e operadoras de planos de saúde. Você sabia que suas informações agora só podem ser usadas com a sua autorização? E que você tem direito de acessar essa infinidade de dados a qualquer momento, decidindo por manter, corrigir ou apagar? Sabia que é seu direito saber para que, quando e por quem os seus dados serão utilizados, podendo restringir o direito de acesso a eles e controlar a portabilidade para outras empresas?

Esse direito é agora claramente garantido pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018), que dispõe sobre a proteção de dados pessoais e dados pessoais sensíveis, tais como dados de saúde. A nova lei entrará em vigor em agosto de 2020 e apresenta novas regras para empresas e órgãos públicos que tratam dados em suas operações.

Você pode se perguntar: antes da publicação dessa lei, essas empresas e esses órgãos podiam usar meus dados de saúde de forma indiscriminada? A resposta é não.  Os princípios éticos e legais que giram em torno da confidencialidade dos dados pessoais e pessoais sensíveis, do respeito à privacidade e da necessidade de consentimento para utilização de dados para fins específicos já eram assegurados pela Constituição Federal, pelo Código Civil, pelo Código do Consumidor, pela Lei de Acesso à Informação nº 12.527/2011, pela Lei de Crédito nº 12.414/2011, pelo Marco Civil da Internet (Lei Federal nº 12.965/2014 e Decreto nº 8.771/2016).

O direito do paciente sobre seu prontuário médico, por exemplo, já era estabelecido nas Resoluções do Conselho Federal de Medicina (Resolução CFM nº 1.605/2000 e Código de ética médica). No contexto da Pesquisa Clínica, esse direito é assegurado também pelas normativas éticas do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, em especial a Resolução Nº 466, de 2012, Norma Operacional 001, de 2013, Resolução nº 510 de 2016, Carta circular nº 039, de 2011, entre outras normativas.

No entanto, a publicação da nova lei cria obrigações e impõe sanções às instituições que não cuidarem dos dados com responsabilidade. A nova lei consolida os direitos dos titulares dos dados em um único documento e diminui assim, a insegurança jurídica, trazendo mais transparência ao processo de tratamento de dados e estabelecendo responsabilidades, obrigações e multas às empresas que trabalham com nossos dados.

E o Brasil não é o único país a construir esse arcabouço regulatório mais específico. Diante das discussões internacionais, do aumento crescente de informações e dos escândalos envolvendo vazamento de dados, a preocupação com a privacidade dos dados direcionou um movimento em todo o mundo. A Europa, precursora desse movimento, publicou em 25 de maio do mesmo ano, o regulamento europeu General Data Protection Regulation – EU 2016/679 – GDPR. Ambos os documentos fortalecem a proteção da privacidade do titular dos dados, a liberdade de expressão, de informação, de opinião e de comunicação, a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem e o desenvolvimento econômico e tecnológico.

A nova lei brasileira foi inspirada no GDPR europeu e é aplicada à coleta, tratamento e/ou oferta de bens ou serviços de dados realizada no território nacional, independentemente do meio, do país de sua sede ou do país onde estejam localizados os dados. A Lei veta o compartilhamento de dados pessoais sensíveis referentes à saúde com fins de obtenção de vantagem econômica e a utilização de consentimentos genéricos, sem finalidade de uso específico. As Infrações cometidas estarão sujeitas as sanções administrativas aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que podem variar entre advertências e multas simples (2% do faturamento da pessoa jurídica ou até R$ 50.000.000,00 por infração), entre outras.

Como a pesquisa clínica poderá ser impactada? Como os profissionais e empresas da Pesquisa Clínica (incluindo Centros de Pesquisa,  Comitês de Ética,  ANVISA,  Indústrias de medicamentos, cosméticos, alimentos, produtos de terapia celular e dispositivos médicos) estão se adequando à LGPD?

No âmbito da pesquisa em saúde envolvendo seres humanos, essa lei traz profundas mudanças para todos os agentes envolvidos (indústrias, pesquisadores, universidades, participantes de pesquisa, organizações de pesquisa contratadas, dentre outros) uma vez que define regras para a utilização dos dados sensíveis, sua anonimização e as situações nas quais há ou não a necessidade da autorização do titular do dado, para a realização do tratamento proposto para esses  dados fornecidos.

De forma geral, o setor da pesquisa clínica já cumpre com as normativas da LGPD no que diz respeito  à obtenção de consentimento do titular do dado, mas  a nova Lei traz os conceitos de “controlador” e “operador”, que não estavam definidos anteriormente em nenhuma legislação brasileira, e estabelece que empresas que tenham como atividade central o tratamento sistemático de dados pessoais são agora obrigadas a ter um novo profissional – o Encarregado pelo Tratamento de Dados Pessoais. A criação de novos agentes controladores de dados exige, de todos os envolvidos na pesquisa, uma adequação de organograma e, treinamento para essas novas funções e atribuições, tanto do operador quanto do controlador.

Além disso, é direito do participante de pesquisa saber quem são esses atores, qual  forma de tratamento de dados será utilizada, qual a duração e finalidade do tratamento dos dados, quais as responsabilidades dos profissionais, quais os riscos associados à manipulação dos dados, e ainda garantir a possibilidade de revogação de autorizações anteriormente concedidas, sempre de maneira transparente. Isso implica  na necessidade de revisão dos Termos de Consentimento e revisitação das normativas éticas atuais.

Essas e tantas outras questões ainda estão sendo debatidas, e para viabilizar  uma discussão mais proveitosa para todos, a Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica (SBPPC) instituiu um grupo de trabalho específico,  que tem como função promover eventos que favoreçam a troca de experiências entre o setor jurídico e o setor da pesquisa clínica. A SBPPC também abriu um canal de comunicação direto com os profissionais do setor da Saúde, estimulando o envio, via web, das principais dúvidas referentes à nova lei,  para posteriormente organizar uma mesa de discussões com as reais necessidades dos profissionais. Para acessar o link e deixar sua dúvida clique aqui. 

Greyce Lousana

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