Tire suas dúvidas sobre células-tronco embrionárias

Arte com o logo do Amaraciência e a imagem de uma sequencia de DNA e uma célulaNo AmaraCiência desta semana, a cientista Patricia Pranke, que é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, traz uma entrevista em que ela esclarece várias questões sobre as células-tronco embrionárias. Confira! 
Diário da Manhã – Por mais que o uso das células-tronco tenha se difundido ainda há muita desinformação nesta área. O são estas células e por que as pesquisas são tão celebradas?

Patricia Pranke – Células-tronco (CT) são células imaturas, bem jovens, que têm a capacidade de se diferenciar e proliferar em vários tipos de tecidos diferentes. O embrião, nos primeiros dias do desenvolvimento embrionário, é um composto de CT que nós chamamos de pluripotentes, ou células-tronco embrionárias (CTE), porque elas têm a capacidade de se transformar em mais de 200 tipos diferentes de tecidos que vão dar origem a um organismo, resultando, no fim deste processo de formação, ao ser humano. Quando este organismo começa a formar o feto e este já tem um coração, o fígado, a medula, etc, as CT deixam de ser pluripotentes, porque sua capacidade de transformação já ocorreu, embora estes órgãos ainda mantenham um potencial de fornecer células para formar tecidos semelhantes. Então, de uma maneira bem simples, células-tronco são células capazes de auto-renovação e diferenciação em muitas categorias de células. Elas também podem se dividir e se transformar em outros tipos de células, além de serem programadas para desenvolver funções específicas, tendo em vista que ainda não possuem uma especialização. E foi isso que despertou tanto o interesse do mundo científico e, posteriormente, da medicina.

DM – Desta forma, de uma maneira geral, há dois grandes grupos de células-tronco?

Patricia – Elas podem ser agrupadas em células-tronco pluripotentes (entre elas as embrionárias – CTE e as células-tronco pluripotentes induzidas ou iPSCs), que são aquelas com capacidade de se transformar em qualquer tipo de células; e as células-tronco adultas, definidas como aquelas que já se transformaram em um determinado tecido ou órgão, mas ainda mantém a sua capacidade de divisão e auto-renovação. As células-tronco pluripotentes induzidas vem sendo obtidas em laboratórios desde 2007.

DM – Isso quer dizer que podemos obter CT de qualquer órgão ou tecido do corpo humano?

Patricia – Nós temos células-tronco em todos os órgãos do nosso corpo. Mas, por que falamos muito nas CT de medula óssea, cordão umbilical e da gordura proveniente de lipoaspiração e não discutimos tanto sobre as que encontramos no fígado, no cérebro e no coração? Se pensarmos em pessoas com doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer e o Mal de Parkinson, por exemplo, que constituem duas áreas bastante atuais de pesquisas com CT, não podemos extrair as células-tronco do cérebro destes pacientes retirando as saudáveis de um hemisfério e as realocando no outro porque se trata de um órgão sólido. O mesmo ocorre com o músculo cardíaco. Há células-tronco no coração, mas eu não posso tratar um infarto substituindo o lado infartado pelo saudável. É um tecido sólido que pode ser lesionado. Por isso, embora praticamente todos os órgãos do corpo tenham um tipo de CT, as chamadas mesenquimais, as que podemos utilizar provém de fluídos, como é o caso da medula óssea.

DM – O transplante de medula óssea é essencial também por esta questão.

Patricia – Sim, porque as fontes de CT são as oriundas de fluídos. Um doador de medula pode fazer a doação sem ter nenhum tecido de seu corpo lesionado.

DM– Essa capacidade regenerativa do corpo provém das células-tronco?

Patricia – Somos um composto de células-tronco. Quase todos os tecidos e órgãos possuem CT. E muitas pessoas não se dão conta disso, mas o nosso corpo está em constante regeneração. É muito comum, por exemplo, indivíduos terem micro-infartos e não saberem disso, justamente porque as células-tronco que estão no coração fazem este processo de se diferenciação em células maduras para que a regeneração ocorra. A nossa pele é outro exemplo clássico. Quando sofremos pequenas lesões, elas também se regeneram.

DM – Qual é o uso potencial das células-tronco na medicina, atualmente?

Patricia – Essa é uma questão que precisa ser avaliado em duas áreas. Uma delas diz respeito àquilo que já está consagrado na medicina. Quando falamos em transplante de medula óssea, que já é realizado há mais de 50 anos com sucesso, estamos nos referindo ao transplante de células-tronco de um organismo para outro. Isso é avanço consagrado e consolidado no tratamento de doenças hematológicas, como a leucemia, anemia aplásica, linfomas e alguns problemas de ordem enzimática ou genética. Trata-se de uma lista de enfermidades que são potencialmente tratadas com o transplante de medula óssea, que hoje em dia recebeu a denominação de transplante de células-tronco hematopoéticas, porque, de fato, na maioria das vezes, usa-se mais o sangue periférico do que a medula óssea propriamente dita. Então, este tipo de ação é cientificamente atestada e tem surtido resultado extremamente satisfatórios. Agora, todo o resto que se ouve falar em relação as CT trata-se de pesquisa clínica.

DM – E pesquisa clínica ainda não é tratamento que possa ser ofertado com promessas de resultados?

Patrícia – Quando falamos de células-tronco para tratar AVC, doenças cardíacas, diabetes, regeneração de pele ou de osso e lesão de medula espinhal, estamos falando de pesquisa clínica. Há algumas que estão em fase de teste com animais (pesquisas pré-clínicas) e outras que já foram aprovadas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e que podem ser trabalhadas com pacientes. Mas, cabe enfatizar: ainda estamos falando de pesquisa. Não está provado ainda que funciona e que é totalmente seguro. Só depois dessas pesquisas clínicas terminarem é que será possível liberá-lo para uso universal. As células-tronco não curam ou regeneram tudo. Então, em algumas doenças não vai funcionar. É importante que as pessoas saibam disso para evitar que alguém saia fazendo um tratamento desse tipo (ainda em fase experimental) e, pior, cobrando por ele. Isso é consenso mundial: pesquisa clínica não se cobra.

DM – Os avanços em diversas pesquisas e as possibilidades de que um número cada vez maior de doenças sejam tratadas a partir da terapia celular coloca as células-tronco como o futuro da medicina?

Patricia – As células-tronco ficaram famosas não apenas pela polêmica que se criou em torno do tema, mas, sobretudo pelos avanços e benefícios que elas trouxeram para a medicina. Sem medo de errar podemos afirmar que elas revolucionaram a área clínica nesta virada de século. Os pesquisadores passaram a ver nelas potencialidades que ainda não tinham sido identificadas em outras terapias. Contudo, isso não quer dizer que os estudos já terão impacto direto na vida do paciente. Um medicamento novo para ser utilizado demora de 10 a 15 anos para estar disponível na prateleira à disposição do consumidor. E com as terapias celulares não pode ser diferente. Um exemplo disso está relacionado a lesões do sistema nervoso central. Até há cerca de 20 anos atrás, o entendimento consensual era de que lesões deste tipo não podiam ser regeneradas. Agora, não podemos mais afirmar isso, o que é extremamente positivo. Graças aos avanços em pesquisas clínicas descobrimos que é possível, sim, conseguir esta regeneração. Compete aos pesquisadores descobrir como. Isso ainda não está disponível para os pacientes no momento. Para o paciente cadeirante que enfrenta todas as dificuldades da limitação física, parece pouco. Mas, se pensarmos do ponto de vista da história da medicina, o conhecimento adquirido nestes anos de pesquisas com células-tronco é muito superior aquilo que vinha se obtendo. O cuidado que precisamos ter é de não criar falsas esperanças e promessas nas pessoas que enxergam nas células-tronco a cura para as doenças. Todos nós que trabalhamos com isso somos otimistas, porque, caso contrário, não levaríamos adiante estes estudos. O que sempre reforçamos é a necessidade de se ter a cautela imprescindível para garantir que as terapias celulares sejam, ao mesmo tempo, eficazes e totalmente seguras.

Fonte: Diário da Manhã, páginas 25 a 27

 

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