Senadora Mara Gabrilli presidiu audiência pública e endereçou apelos aos Ministérios das Relações Exteriores, Justiça e Mulheres para que apoiem as brasileiras e adotem medidas de proteção às crianças no exterior
A senadora Mara Gabrilli, presidente da Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados, a CMMIR, coordenou ontem (3/10), no Congresso Nacional, uma audiência pública de quase 5 horas de duração em que jogou luz sobre casos gravíssimos de mães que sofrem as consequências de sequestro internacional de crianças e de violência doméstica no exterior.
Diversas mães ouvidas pela comissão afirmaram em relatos emocionantes que travam uma verdadeira luta para tentar reaver a guarda de suas crianças e adolescentes que estão fora do Brasil. Algumas participantes relataram que não conseguem nem saber onde estão seus filhos e denunciam falta de apoio de autoridades consulares no exterior e da Justiça brasileira na análise desses casos.
A senadora Mara Gabrilli afirmou que tem solicitado ao Governo Federal em diversas instâncias medidas de suporte a essas mulheres. Mara relatou os inúmeros apelos que endereçou aos Ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e das Mulheres para que apoiem as mães e adotem medidas de proteção às crianças.
Na audiência, a parlamentar também questionou representantes do governo federal presentes sobre a aplicação da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças e outros instrumentos legais e defende que o Estatuto da Criança e do Adolescente, conjunto de normas do ordenamento jurídico que tem como objetivo a proteção dos direitos da criança e do adolescente, de 1990, seja cumprido uma vez que, na maioria dos casos, as crianças tem dupla nacionalidade. Convidado para a audiência, o Ministério das Mulheres não enviou representante.
A senadora destacou que muitos homens se utilizam da Convenção da Haia para perpetuarem os abusos e se livrarem das possíveis punições. “Eu tenho apelado para diversos ministérios, como Itamaraty, aqui presente, mas sobretudo para o Ministério da Justiça e Segurança Pública e para o Ministério das Mulheres para que possamos oferecer apoios para essas mulheres. Meu apelo é por proteção para as crianças e adolescentes brasileiros, que muitas vezes não são ouvidos e acabam obrigados a viver em um país estrangeiro, sozinhos, com pais, muitas vezes abusadores, e que se valem da Convenção da Haia para retomar sua posição de poder e perpetuar abusos”, afirmou Mara, que há anos batalha para que a legislação leve em conta casos de violência contra as mulheres e seus filhos.
A referida Convenção da Haia de 1980 é um acordo internacional com 103 países signatários e tem a premissa de impedir que crianças sejam retiradas de seu país de residência habitual sem a autorização de ambos os pais ou do guardião legal da criança. Quando o tratado foi aprovado, a maioria dos casos de subtração de menores era cometida pelos homens, descontentes com a guarda da mãe.
No entanto, conforme foi exposto na audiência pública, o quadro atualmente mudou: a mãe normalmente volta com o filho à terra natal por motivos como violência doméstica, sexual, patrimonial, psicológica, em busca de refúgio, apoio familiar e distância do parceiro, que muitas vezes agride a mulher e também as crianças. Mulheres são prejudicadas pelo texto inflexível do tratado, que não considera o contexto em que elas estão inseridas.
Estiveram presentes no encontro instituições nacionais como a Defensoria Pública da União, o Ministério Público Federal, e ainda associações de mães e famílias que buscam defender estas mães e proteger o interesse de crianças e adolescentes violentadas do amor e convívio com suas mães.
Presente na audiência, os defensores públicos federais, Érico Lima de Oliveira e Lutiana Valadares Fernandes, destacaram a importância da distinção entre os direitos de homens e mulheres em relação à Convenção da Haia, bem como a importância de uma “lente de gênero” e o maior interesse da criança na análise desses casos pela Justiça brasileira, com decisões que se baseiem nos direitos humanos desse grupo vulnerável.
Por sua vez, André de Carvalho Ramos, Procurador Regional da República, recordou que recentemente o Chile foi julgado pelo Comitê da ONU sobre os Direitos das Crianças por não defender o melhor interesse da criança, que preferia a guarda da mãe em seu país de origem, mas havia sido retornada ao pai após uma interpretação equivocada da Convenção da Haia.
A advogada especialista no tema, Claudia Grabois, propõe que que o Governo Federal crie um comitê consultivo composto por essas mães e pela sociedade civil brasileira para o monitoramento de casos de sequestro internacional de crianças junto à Autoridade Central do Ministério da Justiça e à Advocacia-Geral da União, responsáveis do Poder Executivo pelo acompanhamento desses casos.
Atualmente, há 227 casos ativos de sequestro internacional de crianças envolvendo a Convenção da Haia no Brasil, segundo Michelle Najara, Coordenadora-Geral de Adoção e Subtração Internacional de Crianças e Adolescentes do Ministério da Justiça.
“Precisamos garantir que tratados internacionais ofereçam maior proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes, que são o elo mais vulnerável. Elas são a parte mais frágil e sofrem as consequências disso. Reafirmo meu compromisso com as medidas necessárias para que possamos construir, juntas e juntos, essa nova agenda internacional”, afirmou a senadora Mara, que se dispôs a acompanhar, junto ao Itamaraty, um encontro na cidade de Haia prevista para este mês de outubro de 2023 para debater a reforma desta convenção.