Sobre o decreto presidencial nº 9.785, que flexibiliza o porte de armas

Sou a favor da discussão sobre a posse e o porte de armas, mas acredito que esta medida não deva ser decidida de forma irresponsável. Não somos eleitos para colocar a vida das pessoas em risco, tampouco para abrir mão dos meios legais para se legislar.

Votei pela sustação do decreto 9.785, pois, além de inconstitucional, ampliava de modo bastante perigoso a posse e o porte de armas no Brasil. A matéria, ao contrário do que foi propagado, aumentava a violência e a insegurança da população brasileira. E isso precisa ser esclarecido.

O texto garantia que profissões como advogados, uma categoria de mais de 1,1 milhão de profissionais, e todos os domiciliados em imóvel rural (cerca de 18,6 milhões de pessoas) pudessem ter o direito de se armar. E se armar com equipamentos mais potentes que os da própria polícia, como pistolas 9mm ou 45, por exemplo. O mesmo era garantido a profissões indeterminadas e possivelmente temporárias, como a de transportador autônomo de cargas (caminhoneiros – mais de 492 mil profissionais), conselheiros tutelares (30 mil em todo o país) ou profissionais de imprensa atuante em cobertura policial.

O texto permitia que estes profissionais tivessem o porte de armas válido por 10 anos, ainda que no dia seguinte mudassem de atividade. Enquanto isso, as forças policiais seguiriam em condição de inferioridade nas abordagens e eventuais conflitos com milhões de civis, aumentando o potencial de vitimização destes profissionais. Convenhamos, isso não é reforçar a segurança pública.

Vale dizer também que o decreto aumentava de 50 para 5.000 o limite de projéteis que podem ser adquiridos por ano para defesa pessoal. Ou seja, caso uma pessoa adquira esse volume, ela poderá dar, em média, 14 tiros por dia no período de um ano. Mas como o limite é por arma, se essa mesma pessoa tiver quatro armas (número máximo permitido no decreto, exceto no caso de caçadores, atiradores e colecionadores), ela poderia atirar cerca de 55 vezes por dia durante todo o ano. Não me parece que falamos aqui de defesa pessoal, mas sim de corrida armamentista ou banalização da vida.

Lembro também que o feminicídio é uma realidade no Brasil, que deve ser urgentemente combatida, não incentivada. Entre 2016 e 2017, 66% dos casos de morte de mulheres, só em São Paulo, aconteceram na residência da vítima, segundo o estudo “Raio-x do Feminicídio em São Paulo“, do Ministério Público. As vítimas de feminicídio são em sua maioria esmagadora mulheres que dependem financeiramente de seus parceiros. São mulheres que não conseguem sequer buscar ajuda para denunciar a violência sofrida. Essas mulheres não comprarão armas para se defender da violência porque, além de não terem condições financeiras, já são coagidas a se calarem.

De acordo com o Instituto Sou da Paz, neste mesmo período, 40% das vítimas mortas em domicílio foram executadas por uma arma de fogo, mesmo com o Estatuto do Desarmamento, que limita a posse de armas dos brasileiros. A equação, que já é perversa poderia piorar. Já ocupamos o 5º lugar no mundo entre os países que mais matam. Não queremos chegar ao topo deste ranking.

Por fim, lembro também que caberia ao Governo submeter ao Legislativo esse tipo de matéria por meio da apresentação de projeto de lei de sua autoria, e não um decreto.

Promover o debate até que cheguemos, de forma constitucional, a melhor solução aos brasileiros. Este é o melhor e mais correto que o governo e o Congresso têm a fazer no momento.

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